Indexador econômico que permitiu a implementação do real entrou em vigor em 1º de março de 1994
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que implantou o Plano Real em 1994
(Divulgação)
No dia 1º de março completa vinte anos desde que o então ministro
da Fazenda do governo Itamar Franco, Fernando Henrique
Cardoso, implantou a Unidade Real de Valor (URV), o primeiro passo do
que viria a ser o Plano Real, que entrou em vigor em julho de 1994. A
URV foi instituída pela Medida Provisória nº 482, logo após um ajuste
fiscal emergencial promovido por FHC para reduzir os gastos públicos. A
diferença entre o plano do então ministro e dos outros tantos já criados
para domar a inflação é que o Plano Real sacrificava os gastos públicos
— enquanto os demais penalizavam o setor privado.
A URV não era uma moeda. Era um índice calculado diariamente pelo
Banco Central e que oscilava como o dólar. Servia para reajustar preços e
salários para que ambos caminhassem no mesmo compasso. À época, a
inflação no Brasil estava em mais de 5 500% ao ano. A intenção era fazer
com que, após alguns meses em que a URV servisse como referência de
preços para a população, se tornasse moeda — o real. À época, o
ex-ministro Delfim Netto apelidou o plano de "dolarização envergonhada".
A moeda corrente naqueles tempos era o cruzeiro real. Todos os cálculos
eram feitos em URVs, mas pagos em cruzeiro real.
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O novo indicador possibilitou a mudança de moeda e a estabilização
monetária de forma democrática e transparente, sem os confiscos que por
tantos anos abocanharam as poupanças dos brasileiros de surpresa num dia
qualquer pela manhã.
Quando entrou em vigor, a cotação da URV em cruzeiros reais era de
647,50. O valor era corrigido diariamente e os preços de mercadorias,
tarifas, além dos salários passaram a ser fixados em URV. Em julho,
quando a URV virou o real, seu valor era de 2 750 cruzeiros reais. Em
1994, a inflação encerrou em 244,86% — avanço considerado irrisório se
comparado ao de anos anteriores.
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A estratégia para ganhar a confiança do mercado em relação ao Brasil
não passava apenas pela tentativa de estabilização de preços e mudança
de moeda. Previa mais ajuste fiscal, renegociação da dívida externa,
reajuste anual do salário mínimo e a desindexação da economia. Para
recuperar parte da receita perdida com os cortes de gastos e ainda
reduzir o tamanho do estado, o Plano Real também previa um ousado
cronograma de privatizações.
Entre os autores da estratégia acertada que FHC executou estavam
muitos dos nomes que criaram os planos precedentes, como Pérsio Arida,
Edmar Bacha e André Lara. Entre os novos nomes que se juntaram ao time
estavam os economistas Gustavo Franco e Pedro Malan.
O 'blocão' de deputados que emparedou o governo Dilma
Sem diálogo nem
interlocutores com o Congresso, governo está às voltas com um grupo de
deputados que decidiram se unir em pleno ano eleitoral
Marcela Mattos, de Brasília
SEMPRE ELE – Eduardo Cunha reúne líderes dos partidos: dor de cabeça para o Palácio do Planalto à vista
(Sergio Lima/Folhapress)
Em um ano que será tomado por eleições e pela realização da Copa do
Mundo no Brasil, o que fatalmente se refletirá em produtividade quase
nula no Congresso Nacional, a presidente Dilma Rousseff ganhou uma nova –
e nada agradável – novidade em sua desarticulada base parlamentar: oito
partidos anunciaram a formação de um "blocão", com 242 deputados (47%
da Câmara). Das oito siglas que compõem essa massa parlamentar – PDT,
PSC, PP, Pros, PMDB, PTB e PR –, somente o Solidariedade é assumidamente
de oposição. Porém, a movimentação partidária alarmou o Palácio do
Planalto, que agora poderá ser pressionado a negociar a aprovação dos
seus projetos com um grupo que detém metade dos votos da Câmara. A esse
cenário desfavorável, soma-se a inabilidade dos articuladores políticos
do governo, com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) à
frente, em dialogar com o Congresso, palco de sucessivas rebeliões.
Embora ainda não tenha destacado um líder para assumir a linha de
frente do bloco, o principal articulador do grupo é uma antiga pedra no
sapato do governo: o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O parlamentar já
escolheu suma primeira batalha: derrubar o projeto do
Marco Civil da Internet. Com
cinco ministérios, o PMDB também está insatisfeito por não ter ganhado
mais espaço no governo nas mudanças feitas por Dilma até agora.
Ainda restam dúvidas sobre o real potencial da associação de siglas:
a fidelidade do grupo não foi testada em nenhuma votação nem ficou
determinado quanto tempo as legendas atuarão em conjunto – uma
possibilidade, por exemplo, é que o governo libere verbas represadas de
emendas parlamentares em ano eleitoral para acalmar os ânimos. Outro
ponto ainda sem resposta é o grau de envolvimento de um partido de
oposição em um grupo de parlamentares cujos partidos deverão apoiar a
reeleição de Dilma. “Eu sou o incendiário”, resume o líder do
Solidariedade, Fernando Francischini (PR). No próximo dia 11, o grupo
vai se reunir para discutir projetos comuns e levá-los à votação.
De olho na reeleição, também irrita os parlamentares o isolamento das
ações organizadas pelo Planalto. “Nós estamos aqui votando, aprovando
matérias do governo, mas nenhum ministro nos recebe. Eles enviam bilhões
para o nosso Estado, discutem a seca que o assola, mas não escutam e
nem convidam o Congresso. Somos substituídos por técnicos”, desabafa o
líder do Pros, Givaldo Carimbão (AL). “Eu sou constantemente cobrado. Os
deputados do partido reclamam que estão sendo atropelados. Eles querem
mostrar resultado, chegar lá na ponta, mas não conseguem”, complementa o
líder do PR, Bernardo Santana (MG). “O que dói em um, dói em outro”,
resume o líder do PTB na Câmara, deputado Jovair Arantes (GO).
Há um mês, Dilma designou seu novo homem forte do governo, Aloizio
Mercadante (Casa Civil) para tentar realinhar a relação com o Congresso.
No primeiro contato direto, porém, fracassou: ao lado de Ideli e do
vice-presidente, Michel Temer, que exerce o papel de apaziguador da
bancada do PMDB, Mercadante errou o tom. Ao tentar recuperar o apoio,
afirmou aos deputados do “blocão” que a recondução da presidente estava
consolidada e que os deputados deveriam "tirar foto com a Dilma”. A ação
só piorou os ânimos.
Petrobras – A estreia do “blocão” aconteceu na
última terça-feira. Diante das denúncias de que a Petrobras recebeu
propina para favorecer contratos de uma empresa holandesa, conforme
revelou VEJA, os deputados se articularam para apurar o caso com a
criação de uma comissão externa. O governo ainda tenta abafar o problema
e, na Câmara, trabalhou para retirar a proposta de pauta. Mas não
obteve sucesso: o requerimento foi rejeitado por 261 votos a 80. O
"blocão" ganhava seu primeiro round.
“Nós derrotamos o governo. O resultado político já foi obtido.
Enquanto não votarem a criação de uma comissão externa, vou obstruir a
pauta. Ou vota isso ou não vota nada”, afirmou Eduardo Cunha.
Acuado, o Planalto teve o apoio do presidente da Câmara, Henrique
Eduardo Alves (PMDB-RN). Ao final do prazo regimental para a votação da
matéria, Alves não pautou novamente o tema e empurrou a votação para o
dia seguinte – uma quarta-feira esvaziada por causa do feriado de
Carnaval. Sem quórum, a votação foi remarcada para o próximo dia 11.
Depois da trapalhada no primeiro contato, Mercadante procurou
individualmente os líderes dos partidos para ouvir as demandas e tentar
aplacar os ânimos. Além disso, doze ministros, entre eles Aguinaldo
Ribeiro (Cidades) e Francisco Teixeira (Integração Nacional), foram
escalados para ouvir os deputados depois do Carnaval. Eles farão uma
espécie de “plantão” na Câmara – algo inédito na gestão Dilma.
O governo também estuda montar um cardápio de pautas de apelo popular
que podem ser aprovadas ainda neste ano. Para isso, precisa retirar a
urgência de cinco projetos prioritários do Executivo que impedem a
votação de outras matérias – começando pelo Marco Civil da Internet. A
partir daí, o "blocão" poderá até ser dissolvido. Mas, para um governo
que nunca se empenhou em manter diálogo com o Congresso, o recado dos
deputados foi dado.
Quem é quem no "blocão"
Eduardo Cunha (PMDB)
O líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), carrega a
contradição de comandar o maior partido de apoio ao Palácio do Planalto
e, ao mesmo tempo, ter articulado derrotas para o governo na Câmara.
Partiu dele, acompanhado pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo
Alves (PMDB-RN), a criação do bloco informal para cobrar uma mudança de
postura da presidente Dilma Rousseff. A investida já deu resultado:
mobilizou 261 votos favoráveis à investigação sobre o suposto
recebimento de propina da Petrobras. Mas Cunha quer mais: além de
derrubar o Marco Civil da Internet, o partido, quer mais cadeiras na
reforma ministrial de Dilma.
Fernando Francischini (Solidariedade)
Único partido de oposição dentro do bloco, o Solidariedade foi fundado
no ano passado e já nasceu com o apoio anunciado à candidatura do
senador Aécio Neves (PSDB-MG) à Presidência da República. Líder da
legenda, Fernando Francischini (PR) se intitula o “incendiário” do grupo
insatisfeito com o governo e tenta pegar carona no movimento para
emplacar propostas espinhosas. Uma funcionou: “Eu que levei a ideia de
se criar uma comissão para investigar a Petrobras. Tenho me sentido mais
na oposição do que do lado de fora e minhas demandas têm ganhado
força”, disse. Ele também vai defender a aprovação da proposta que cria
um piso salarial aos agentes públicos de saúde, evitada pelo governo por
trazer impacto às contas públicas.
Bernardo Santana (PR)
O novo líder do PR, Bernardo Santana (MG), mal chegou ao comando do
partido e já acumula cobranças de deputados que se sentem desprezados
pelo governo Dilma em suas bases estaduais – sensação recorrente nos
últimos anos, mas que ganhou força e reação em ano eleitoral. Não
bastasse o isolamento, eles argumentam que também não conseguem mostrar
resultado no Parlamento, já que a pauta está trancada há quatro meses
por projetos do governo. “O Congresso virou latrina do Brasil. Tudo o
que acontece de ruim, jogam para cá”, diz o deputado mineiro. “Nós temos
uma agenda positiva e queremos votá-la. Mas isso está cada vez mais
inviável.”
Givaldo Carimbão (Pros)
Eleito o porta-voz do grupo após a última reunião, o líder do Pros
tenta jogar panos quentes sobre a união de deputados: “Não existe
blocão. Nós temos um bloquinho”, diz. O tom muda, porém, ao listar as
dificuldades com o governo petista. Ele cita a falta de diálogo com os
ministros, o trancamento da pauta por projetos prioritários do Executivo
e o isolamento dos parlamentares em eventos nas bases eleitorais. “Nós
aprovamos matérias do governo, mas sequer somos informados sobre as
ações nos nossos Estados. No nosso lugar, colocam técnicos querendo
mandar nas políticas públicas”, disse. Recém-criado, o Pros ainda tem a
esperança de ser contemplado na reforma ministerial de Dilma.
Vieira da Cunha (PDT)
O líder do PDT na Câmara tem se mantido discreto dentro do blocão. O
deputado argumenta a integração ao movimento por um pedido do presidente
da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), para discutir uma pauta
institucional. Ele nega estar em busca de pressionar o governo para
obter benesses e ressalta que não compartilha o mesmo posicionamento de
outros partidos em casos particulares, como o PMDB sobre o Marco Civil
da Internet. Mas aumenta o quórum de reclamações ao comando petista: “O
descontentamento é geral, inclusive de parte do PT. As relações com o
Parlamento se deterioraram nos últimos anos”, afirma.
André Moura (PSC)
O PSC se mantém na base do governo, mas esperava maior gratidão. O
líder da Câmara, André Moura (SE), critica a falta de transparência na
liberação das emendas parlamentares, recurso financeiro previsto em lei
que os congressistas têm direito a injetar em suas bases estaduais.
“Tínhamos uma expectativa de que agora nosso investimento chegaria aos
Estados. Mas o governo já anunciou o contingenciamento e fez um corte na
área de infraestrutura”, disse Moura. “Falta diálogo.”
Eduardo da Fonte (PP)
O líder do PP na Câmara, deputado Eduardo da Fonte (PE), faz coro às
críticas dos colegas: “Queremos fazer a interlocução do governo com o
povo e participar nas nossas bases”. O parlamentar pernambucano é autor
do projeto que prevê a devolução do valor cobrado, entre 2002 e 2009,
indevidamente das contas de luz. Se aprovada, a proposta acarretará um
esvaziamento de 10 bilhões dos cofres das operadoras. Em contrapartida,
as concessionárias ameaçam o governo de facilitar o acontecimento dos
apagões caso a medida entre em vigor.
Jovair Arantes (PTB)
“O que dói em um, dói em outro”, resume o líder do PTB na Câmara,
deputado Jovair Arantes (GO), ao explicar sua participação no bloco. O
parlamentar goiano lembra que o Parlamento cumpre seu papel ao aprovar
as propostas de interesse do Executivo, mas é necessário que o esforço
aconteça de ambos os lados. “Estamos em busca de ações políticas e do
fortalecimento da Câmara”, disse. Uma das propostas defendidas pelo PTB é
o fim do fator previdenciário – já aprovada no Senado, mas engavetada
na Casa desde 2008 por trazer prejuízos fiscais ao governo.