Vinte e oito dias em uma cama de hospital ao lado do único filho que
sobreviveu e sem saber como recomeçar a vida. Ao mesmo tempo em que se
recupera, após ser resgatada dos escombros dos prédios que desabaram na Muzema, Zona Oeste do Rio, Paloma Paes Leme tenta superar a perda do marido e de outros três filhos.
Raimundo Nonato do Nascimento, de 41 anos, Isac Paes Leme, 9, Pedro Lucas, 7, e Lauana Vitória Barroso, 15, estão entre os 24 mortos do desmoronamento.
A tragédia completa um mês no próximo domingo (12), Dia das Mães.
Sem poder sair do hospital, Paloma conta não teve nem a oportunidade de se despedir dos quatro pela última vez.
“Às vezes, eu acho que é mentira porque eu não fui ao enterro, não estive lá presente, que me machuquei, que vou sair daqui, e eles vão estar lá fora, mas aconteceu mesmo. Não é um sonho, é um pesadelo, e eu vou ter que encarar e dar a volta por cima. E tenho certeza que o Rafael vai me ajudar e vai me dar força”, afirmou.
Paloma e o filho caçula, Rafael, de 4 anos, estavam abraçados quando
foram encontrados pelos bombeiros. Ela e o menino só foram resgatados
com vida porque não conseguiram correr tanto quanto o marido e dos
outros três filhos.
“Eu sinto o cheiro do cabelo da minha filha, às vezes parece que eu sinto a presença deles perto de mim. Eu sei que eles morreram, mas eu sinto muita falta. Eu sei que tenho que reconstruir a minha vida. Não sei como vai ser, mas vou buscar força em Deus quando sair daqui”, completou.
Três suspeitos de ter participado da construção e da corretagem estão foragidos e respondem por homicídio com dolo eventual, quando se assume o risco de matar.
Últimas lembranças
Em entrevista exclusiva ao G1,
Paloma contou sobre as últimas lembranças de antes de tudo acontecer.
Na noite anterior, ela conta que a família assistiu a um filme antes de
ir dormir. Todos foram para o mesmo quarto porque, segundo Paloma, ainda
faltava terminar a obra da casa.
Na manhã seguinte, ao acordar com um vizinho gritando, todos saíram correndo ao mesmo tempo.
"Quando foi bem cedinho, escutei uns gritos de um vizinho meu do
terceiro andar. Ele gritava ‘O prédio está caindo! Vizinha, acorda que o
prédio vai cair!’. Nós levantamos correndo. Lembro que peguei o meu
filho e a gente saiu correndo. Consegui pegar o Rafael e desci do sétimo
andar para o sexto. Quando estava descendo do sexto para o quinto foi
quando tudo começou a cair", lembrou Paloma.
O trauma parece ainda não ter sido esquecido pelo filho caçula.
"Até hoje ele fala isso: ‘Mamãe, eu preciso respirar’. Eu acho que ele lembra de quando a gente estava debaixo daqueles escombros. Tinha muita coisa em cima da gente e eu ficava escutando meu vizinho que foi me chamar”, contou.
O resgate
A determinação dos bombeiros que trabalharam incansavelmente durante o
resgate é inesquecível para Paloma, que não sabe exatamente por quanto
tempo ficou debaixo dos escombros.
“Teve um bombeiro que me deu muita força. Ele falou assim: ‘Mulher, eu não vou deixar você aqui. Eu vou tirar você daqui. Lembra bem de mim: eu vou tirar você daqui. Eu não saio daqui enquanto eu não tirar você daqui’".
Ao ser retirada do local e levada para o Hospital Municipal Miguel
Couto, onde continuava internada até esta sexta-feira (10), Paloma não
imaginava a proporção do que tinha acontecido na Muzema e ainda
acreditava que todos os filhos e o marido também tivessem sido
resgatados com vida.
"A gente estava perto, só que eles desceram muito e eu corri pouco. Eu estava só com ele [Rafael] no meu colo", relembrou.
'Parecia que eu estava sentindo'
Paloma, o marido e os quatro filhos tinham se mudado para o prédio uma
semana antes da tragédia. Ela conta que o marido comprou o apartamento
com a obra inacabada, e eles mesmos terminavam os reparos.
“A gente comprou 'no tijolo'. Meu esposo havia comprado no tijolo
porque saiu mais barato. A gente tinha comprado o material e estava
reformando. Pra gente entrar, a gente tinha colocado porcelanato no
quarto, corredor, sala, e feito o banheiro”, explicou.
Antes de ir para o novo apartamento, a família morava em Duque de
Caxias, na Baixada Fluminense, e chegou a se mudar para uma outra casa,
também na Muzema, onde vivia de aluguel. Para ter o apartamento próprio,
Raimundo deu de entrada um carro que a família tinha.
Sem concordar com o marido, Paloma afirma que sentiu "algo estranho" e não tinha gostado da nova casa.
"No dia da mudança eu não queria me mudar. Parecia que eu estava sentindo que ia acontecer alguma coisa. Ele [Raimundo] falou: ‘Você está tão triste, você não quer ir? Eu sei que não tinha dinheiro para terminar o apartamento todo, terminar a obra, a gente lá dentro não pagando aluguel vai ficar melhor. A gente pega o dinheiro do aluguel e coloca na obra’. Mas parecia que eu estava sentindo", disse ela.
Os filhos também não tinham gostado da mudança e não estavam felizes, segundo ela.
"O Rafaelzinho não gostou de lá também. Ele falava que o apartamento
era feio e chorou muito no dia da mudança. As crianças estavam muito
caladas, não estavam gostando. Eu senti algumas coisas no ar, não estava
feliz, mas nunca imaginaria que ia acontecer aqui, que aquele prédio ia
cair”, completou.
Volta por cima pela segunda vez
Essa não é a primeira vez que Paloma precisará reconstruir a vida. Ela e
a família já tinham perdido uma casa com tudo o que tinham, quando
moravam em Xerém, na Baixada Fluminense.
"Perdemos só bens materiais e consegui reconstruir a minha vida. Mas agora eu perdi tudo. Além de eu ter perdido bens materiais, eu perdi minha família. Foram quatro pessoas. Ficou um vazio muito grande", contou.
Para Paloma, a força para seguir em frente, a partir de agora, virá
através de Rafael. No Hospital Miguel Couto, ela conseguiu que o único
filho que sobreviveu recebesse o tratamento e ficasse internado no mesmo
quarto que ela - e essa motivação para superar todas as perdas.
"As pessoas não estavam acostumadas com isso aqui no Miguel Couto, mas
todo mundo começou a entender. As pessoas lutaram muito pra que a gente
ficasse junto, eu e ele. Ele me dá força nesse momento e eu dou força
pra ele também. Falta pouco agora. Estamos na reta final”, disse ela.
Paloma ainda não falou abertamente para Rafael sobre a morte do pai e
dos irmãos, mas sente que ele saberá enfrentar todas as dificuldades ao
seu lado.
"Eu não falo nada. Ainda não encontrei a maneira de falar. Ele pede muito pra ir embora, quer ir pra casa. Ele fala muito em ir embora, fala sempre ‘Mamãe, eu quero o papai’", contou.
Na expectativa de receber alta em breve, Paloma pensar em ficar
temporariamente na casa de uma tia, mas quer voltar a trabalhar e ter a
própria casa. "Quero ter o meu cantinho porque sempre fui corajosa",
afirmou.