A Anvisa vetou, na noite de segunda-feira (26), o pedido de estados e municípios para a importação da vacina russa Sputnik V contra a Covid-19, alegando falta de dados consistentes e confiáveis sobre o imunizante.
A Sputnik V foi a primeira vacina contra o novo coronavírus aprovada no mundo, em agosto do ano passado, enquanto ainda passava por testes de fase 3. O anúncio foi feito pelo presidente russo, Vladimir Putin, que hoje comemora as exportações da Sputnik V como uma solução para a escassez de vacinas, disputadas pelo mundo todo em meio à pandemia.
Apesar do seu pioneirismo na vacinação contra o coronavírus, a Rússia tem avançado lentamente a imunização da sua população - o que pode ser explicado por uma ampla desconfiança dos russos em relação a vacinas e também pela grande exportação de doses.
Até a segunda-feira (26), a Rússia havia distribuído 18 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19. Cerca de 7,8% da população recebeu pelo menos uma dose de imunizante e 4,7% dos russos já foram totalmente imunizados, segundo levantamento do Our World in Data.
Ao mesmo tempo, a Rússia já enviou cerca de 4 milhões de doses de vacinas da Covid-19 para outros países, em um esforço para aumentar sua influência global. No total, a Rússia já negociou a venda de mais de 314 milhões de doses da Sputnik V para uma dúzia de países, incluindo a recente venda de 100 milhões de doses fabricadas na Rússia para a Índia, segundo o Statista.
O governo russo tem aumentado os esforços para incentivar a população a se vacinar. Em Moscou, o prefeito Sergey Sobyanin prometeu dar vales de mil rublos (cerca de R$ 72) para os vacinados com mais de 60 anos gastarem em cafés, lojas e farmácias da capital. Em janeiro, a capital russa também tentou atrair as pessoas com um sorvete grátis após a vacinação.
Em seu discurso do Estado da Nação na semana passada, Putin fez o seu apelo mais contundente para os russos irem tomar suas doses, mudando sua postura anterior de insistir que a imunização é uma escolha pessoal.
Putin, no entanto, preferiu não ser vacinado diante das câmeras, como fizeram outros líderes mundiais, e apenas recebeu a primeira inoculação no fim de março. Aos 68 anos, ele teria já direito à vacina em dezembro passado. O Kremlin preferiu não revelar qual das vacinas russas foi administrada no presidente – o país produz, além da Sputnik V, a EpiVacCorona e a CoviVac.
Ceticismo em relação às vacinas
Mais da metade dos russos (56%) não tem medo de contrair o coronavírus, segundo pesquisa do instituto independente russo Levada Center divulgada em março. Essa é a taxa mais alta desde fevereiro de 2020. O número de russos preocupados com a infecção permaneceu abaixo dos 50% durante a pandemia, com dois picos breves quando o país passou por novas ondas de infecções.
Essa despreocupação acaba sendo refletida no ceticismo em relação às vacinas. Desde o início da vacinação contra o coronavírus no país, em novembro passado, as pesquisas mostram que apenas cerca de 40% dos russos estão preparados para tomar a vacina. E esse número está caindo: o levantamento mais recente do Levada Center, de fevereiro, mostra que 30% estão prontos e 62% não estão prontos para serem imunizados. Entre os mais jovens, a desconfiança é ainda maior.
Os principais motivos apontados pelos entrevistados que não querem ser vacinados são o medo de efeitos adversos; a necessidade de esperar pelo fim dos testes; e a "falta de propósito" da imunização.
A hesitação dos russos em relação à vacina também é atribuída a falta de confiança nas autoridades, preferências culturais por medicamentos estrangeiros e o próprio desenvolvimento acelerado da Sputnik V, segundo relatou o jornal Moscow Times.
Mesmo com a desconfiança, ainda não houve uma campanha forte de conscientização na televisão estatal.
Exportação de doses
Milhões de doses de vacinas russas que poderiam ser usadas no país foram para o exterior, como parte de uma campanha diplomática do Kremlin enquanto a Rússia é criticada por repressão à dissidência no país e por ações militares na Ucrânia.
Países do Ocidente inicialmente viram com ceticismo a Sputnik V, pela rapidez com que foi aprovada pelas autoridades russas. Os resultados finais dos testes clínicos foram posteriormente publicados e hoje a vacina é aprovada em 62 países, especialmente da Ásia, África e América Latina.
Mas a Sputnik V ainda não foi aprovada pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), que está avaliando o imunizante. Ela também não obteve autorização de uso nos EUA. O governo americano chegou a pressionar o Brasil a não comprar a vacina russa, segundo um documento do governo Trump que fala sobre "combate a influências malignas nas Américas" divulgado em março deste ano.
A pressa em ser o primeiro país a ter uma vacina aprovada contra a Covid-19 e a referência aos dias gloriosos da Rússia na corrida espacial no nome da Sputnik V demonstram a estratégia do Kremlin de tentar reconquistar para o país o status de grande potência global.
A Rússia tem vendido ou doado doses para países aliados e também para aqueles que oscilam entre o Ocidente e a Rússia. Às vezes, uma pequena oferta pode render ganhos para o país. Recentemente, San Marino, um micropaís europeu que mantém laços com a Rússia, recebeu 7 mil doses da Sputnik V, que no momento era a única vacina disponível no mercado para a nação de 30 mil habitantes.
Ainda assim, a campanha russa de vacinação contra a Covid-19 também depende de importação. Segundo reportagem do NY Times, o governo russo contratou a produção de doses da Sputnik V de um fabricante da Coreia do Sul e pretende fazer o mesmo com uma fábrica da Índia.
Fonte: Gazeta do Povo