Caos da
rotina, desigualdades socioeconômicas, imposição dura de padrões estéticos e
comportamentais em redes sociais, pressão por definições de futuro e, quando
mais velho, da profissão? Dezenas de fatores têm levado a um resultado único: a
sociedade está adoecendo. E desde cedo. O número de internações psiquiátricas
infantis cresceu 70% no Ceará, saltando de 233, em 2009, para 396, em 2018. No
total, foram 2.559 em todo o período. As estatísticas são do Ministério da
Saúde, levantadas pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares.
Crianças
e adolescentes de 10 a 14 anos de idade são as que mais registram crescimento
nos dígitos: em uma década, as hospitalizações dos pequenos cearenses subiram
quase sete vezes, saltando de 16, em 2009, para 104, no passado.
No
Estado, 43 municípios registraram, pelo menos, um caso de menino ou menina internada por transtornos mentais ou
comportamentais, como retardo mental, uso de álcool ou de substâncias
consideradas psicoativas.
Fortaleza,
conforme o levantamento, concentra 79% de todas as internações do Estado no
período de dez anos: foram 2.022 admissões entre 2009 e 2018.
Naquele
ano, 155 crianças e adolescentes deram entrada em leitos psiquiátricos, número
que aumentou para 358 no ano passado. Entre os pequenos de 10 a 14 anos, a
quantidade cresceu de seis para 98 casos.
Para o
psiquiatra Alexandre Aquino, coordenador dos ambulatórios de psiquiatria
infantil do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e presidente da Associação
Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil (capítulo Ceará - Abenepi), o
avanço das hospitalizações está associado a falhas nas assistências primária e
secundária, nas quais "não há identificação precoce dos fatores de
risco".
"Sem uma intervenção cedo, os casos agravam. A quantidade de
crianças e adolescentes com automutilação e tendência suicida tem aumentado.
Quando a família não consegue prover a segurança necessária, recorre à
internação", pontua.
A medida,
segundo ele, "independentemente da idade, visa atender casos muito graves,
em que o manejo ambulatorial já não é possível" - situação que é "bem
menos frequente" nas faixas etárias mais baixas.
"Muitas condições
mentais da infância são mais ambientais, de manejo social e familiar, do que
propriamente de transtornos", revela Dr. Alexandre. Já nos casos em que há
sintomas graves de agressividade, por exemplo, a internação "acaba sendo
viável para a própria segurança da criança", conclui o médico.
Quando se
fala de suicídio, então, o cenário é multifatorial. "Dois fatores sociais
parecem estar muito envolvidos: o desemprego e o aumento da desigualdade
social. Não é só questão psiquiátrica: para a depressão, por exemplo, existem
fatores genéticos associados, mas isso por si não justifica esse fenômeno.
Temos que observar como a nossa sociedade está adoecendo as crianças e
adolescentes de modo geral", alerta Dr. Alexandre Aquino.
Os
transtornos mais comuns nas faixas etárias infantojuvenis atendidos no HGF,
conforme o psiquiatra, são o do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH),
Opositivo-Desafiador (TOD) e de ansiedade, além de depressão, transtornos
gerais de humor e esquizofrenia.
Em
Fortaleza, apenas a Sociedade de Assistência e Proteção à Infância (Sopai)
dispõe de leitos psiquiátricos para crianças e adolescentes pelo Sistema Único
de Saúde (SUS).
O hospital infantil é conveniado à Secretaria Municipal de
Saúde (SMS), e conta, atualmente, com 25 leitos.
A porta de entrada para o
acesso a neuropediatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e
assistentes sociais são os postos de saúde da cidade, os dois Centros de
Atenção Psicossocial (Caps) infantis e o Hospital de Saúde Mental de Messejana.
"Estamos
passando por um mal global e contemporâneo com dimensões gigantescas e agora
que aparece em números estatísticos através das internações. Será necessário muito
estudo em busca de respostas", pondera Alfredo Holanda, coordenador dos
leitos de psiquiatria do Sopai.
Assistência
A
ampliação dos leitos urge como imprescindível para completar o cenário da
assistência, como avalia o presidente da Abenepi/CE. "Falamos de aumento
nas internações, mas só temos o Sopai para este fim. Pela própria Política
Nacional de Saúde Mental, seria importante que houvesse leito nos hospitais
gerais, como o (Hospital Infantil) Albert Sabin, por exemplo. Até porque crianças
e adolescentes também desenvolvem doenças clínicas, tratáveis nessas
unidades", sugere Alexandre.
A
reportagem questionou a SMS sobre o quadro de profissionais que atuam na
assistência infantojuvenil, os perfis das internações no Sopai, a cobertura e o
funcionamento dos Caps infantis de Fortaleza e as perspectivas de expansão da
rede; e ao Hospital de Saúde Mental, da rede estadual, sobre a oferta de
acompanhamento pelo Núcleo de Atenção à Infância e à Adolescência (Naia),
referência no assunto.
Mas, devido ao Dia do Servidor Público, comemorado nessa
segunda-feira (28), não conseguimos retorno dos poderes municipal e estadual
para as demandas.
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