Ano após ano, o número de mortos e feridos em acidentes de trânsito
reflete uma verdadeira epidemia, com milhares de mortos em todo o País. A
grande quantidade de ocorrências caracteriza um grave problema de saúde
pública, mas não apenas isso. Além do trauma para as famílias, elas têm
causado um grande impacto bastante significativo nas finanças públicas.
O atendimento aos feridos, internação, cirurgias e reabilitação dos
acidentados têm absorvido boa parte dos recursos financeiros destinados à
saúde. Aqueles que apresentam sequelas irreversíveis também comprometem
o setor previdenciário. Mas o custo que a perda de uma vida gera é
ainda maior.
Somente no Ceará, o impacto socioeconômico dos acidentes de trânsito
custou mais de R$ 922 milhões para o Estado em apenas um ano. O dado foi
levantado pelo Retrato da Segurança Viária 2014, realizado pelo
Observatório Nacional de Segurança Viária em parceria com outras
instituições. Apesar de lançado neste ano, os dados utilizados são
referentes a 2012.
O cálculo foi feito a partir do estudo "Impactos sociais e econômicos
dos acidentes de trânsito nas aglomerações urbanas brasileiras",
realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a
Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP) em 2003, que avaliou
em R$ 109,1 mil o custo médio causado por mortes em vias municipais e
em R$ 14,2 mil as vítimas com ferimentos.
Custo
Os valores foram reajustados ano a ano, e o resultado no Ceará foi
obtido considerando os 2.485 mortos e 11.132 feridos nas vias do Estado.
Em todo o País, foram gastos R$ 16,12 bilhões, dos quais R$ 10,72
bilhões foram com óbitos e R$ 5,40 bilhões com feridos. Para se ter uma
ideia do custo, apenas 35 dos 5.570 municípios brasileiros têm um
Produto Interno Bruto (PIB) superior a esse valor. O Nordeste é a região
que consome maior percentual de seu PIB com os acidentes de trânsito,
seguido pelo Norte.
Em números absolutos, o Ceará tem uma quantidade de óbitos menor apenas
que a Bahia (2.969) na Região. O Estado tem a segunda cidade com
trânsito mais letal do País (entre as que têm mais de 20 mil
habitantes). Trata-se de Barbalha, que tem 194,4 mortes para 100 mil
habitantes, superada apenas por Presidente Dutra, no Maranhão, com 237
mortos/100 mil hab.
Fortaleza é a segunda cidade com a maior taxa de mortes por 100 mil
habitantes entre as mais populosas do Brasil (27,1). Recife, a primeira,
tem 34,7 mortes/100 mil hab. Entre os feridos, o Ceará aparece ainda
como o primeiro do Nordeste e o terceiro do País em números absolutos. À
frente estão São Paulo, com 39.976 feridos, e Minas Gerais, com 18.692.
Para realizar o estudo, foram consultadas diversas fontes ligadas às
áreas de saúde, transporte e trânsito, além do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). O cruzamento entre as informações,
entretanto, revelou a dificuldade em esboçar um panorama mais preciso,
devido à falta de dados organizados, atualizados e consolidados. Assim, o
que é apontado no relatório pode estar desatualizado.
A partir desta constatação, outro problema identificado foi a falta de
uma gestão para a definição de indicadores, unificação da coleta de
dados, monitoramento de resultados e uma atuação integrada de órgãos
públicos para a execução de ações preventivas ao acidentes, realidade
que existe em países semelhante ao Brasil neste quesito.
Esta realidade é bem visível no Ceará, de acordo com o promotor Gilvan
Melo, do Núcleo de Atuação Especial de Controle, Fiscalização e
Acompanhamento de Políticas do Trânsito (Naetran) do Ministério Público
do Estado (MPE). Para ele, não se pode falar numa segurança viária
efetiva. "E, da forma como está, não vamos ter nunca", ressaltou. "Só se
tem segurança, com educação, valorização do agente de trânsito",
defende. "Mas ninguém faz isso, ninguém qualifica profissionais
corretamente", completou.
Para melhorar a gestão da mobilidade urbana em Fortaleza, a Prefeitura
receberá em abril a visita de consultores da Bloomberg Philanthropies,
fundação que irá colaborar durante cinco anos com o objetivo de reduzir
os impactos dos acidentes de trânsito na Capital.
"Eles trabalham com várias instituições promovendo ações de saúde
pública e mobilidade urbana nos países em desenvolvimento", explicou o
secretário executivo de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), Luiz
Alberto Sabóia. Segundo ele, a ideia é criar vários campos de ação, que
envolvem temas como "educação no trânsito e correções geométricas que
minimizem acidentes", afirmou.
O projeto faz parte da iniciativa Global Road Safety, ligada à fundação
e que possui um compromisso de investir US$ 125 milhões dentro do prazo
do programa. Vinte cidades em todo o mundo foram convidadas a
participar da seleção que escolheu metade delas. Além de Fortaleza,
fazem foram selecionadas São Paulo, Bogotá (Colômbia) e outras cidades
na África e Ásia.
Enquanto isso, os órgãos de trânsito do Município e do Estado realizam
suas ações. Segundo a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC),
todas as atividades dela são ligadas à segurança, "desde uma simples
mudança de tráfego ou um projeto educativo à operação e fiscalização",
explicou. Já o Departamento Estadual de Transito do Ceará (Detran-CE)
destaca a fiscalização diária nas vias públicas da Capital e municípios
do Interior, além das ações de educação no trânsito realizadas em
escolas e no departamento.
Opinião de especialista
Acidentes de trânsito: nosso surreal reflexo
Quando comecei minha pesquisa de doutorado na USP, 15 anos atrás,
reunir dados de acidentes de trânsito no Brasil era um trabalho
hercúleo. Lembro de enviar ofícios à órgãos de trânsito e explicar o
trabalho em pormenores até conseguir acessar informações relevantes.
Alguns órgãos me mostravam planilhas em Excel, num esforço louvável de
profissionais que colaboraram para o conhecimento da situação trágica de
acidentes de trânsito ocorridos no Brasil.
Ao longo do tempo, vi excelentes ações em busca da integração de
informações em todos os âmbitos. Atualmente, podemos obter essas
informações via anuários e relatórios mensais pela internet. Claro que é
preciso aprimorar. O desencontro de dados entre órgãos de trânsito e de
saúde se dá, por exemplo, por entendimento do que acontece no local e
ao chegar no hospital. Para uns o registro de morte se dá no local. Para
outros, vítima fatal é comprovada no atendimento hospitalar.
Contamos ainda com levantamentos do IPEA, de seguradoras de veículos,
do DPVAT, ONGs e afins, todos em busca da sistematização e cruzamento de
informações, que muito contribuem para a compreensão do desastre diário
que vivemos nas ruas. O relatório publicado pela AMBEV, ONSV e Falconi,
embora seja mais uma fonte de compilação de dados, não apresentou
novidades diante do que já tem sido divulgado.
De onde observo, vejo que à revelia dos dados, de acordo com o
relatório do Seguro DPVAT 2014, 760 mil indenizações foram pagas. Mais
de 52 mil foram de vítimas fatais; em média, 4.352 mortes por mês e 143
por dia. Por dia, há um avião repleto de pessoas que morrem no Brasil
por ocorrências de trânsito que nós, pessoas comuns, cometemos, como se
nossa existência não estivesse refletida nessa surrealidade.
Gislene M. De Macêdo
Pesquisadora em Mobilidade Humana (UFC)
Mais informações
MPE (Naetran): 3252.3769
SCSP: 3105.1464
AMC: 3433.9700
Detran-CE: 0800.275.6768
Germano Ribeiro
Repórter
DN