Por Rui Martins, de Genebra
Foi preciso ser eleita uma presidente de esquerda e petista para os trabalhadores perderem uma velha conquista, a da aposentadoria, um pesadelo que se junta aos absurdos de um governo dito social.
A pretexto de poder haver, no futuro, um rombo na caixa das pensões, a Medida Provisória da presidente Dilma cria uma idade mínima para homens e mulheres se aposentarem, aumentada a cada dois anos, que fará os trabalhadores brasileiros se igualarem ou mesmo ultrapassarem a idade de aposentadoria dos europeus.
Só que a grande maioria dos brasileiros não tem a mesma esperança de vida dos europeus. Essa reforma irá prejudicar ainda mais as mulheres – outro absurdo, pois a presidente é mulher – com trabalhos mal pagos e precários e nem sempre registrados. Em outras palavras, depois de tantos anos de uma aparente liberalidade na aposentadoria, mas da qual se beneficiava o segmento pobre da população, aproveitando para ter um outro emprego ou outra atividade, a atual reforma dará a aposentadoria a idosos precoces e doentes perto da morte.
O resultado dessas últimas medidas do governo Dilma será dramático: em alguns anos, todos os incentivos lulistas que tiraram 30 milhões de brasileiros da miséria e os lançaram no consumismo (sem criar as bases estruturais para garantir essas medidas favoráveis à diminuição da desigualdade social) serão anulados. O desemprego começa a aumentar no país e as restrições e limitações aos direitos trabalhistas – que ninguém antes se atreveria a mexer – irão logo se refletir no retorno da desigualdade social.
O pior de tudo é ver tudo isso acontecendo diante do imobilismo de uma esquerda anestesiada e narcotizada, por ter sido construída em cima do personalismo de Lula e de um partido sem expressão ideológica junto ao povo. A cada semana, o governo neoliberal fantasiado de esquerda destrói pedaço por pedaço a herança de tantos anos de luta política e sindical.
Se depois de doze anos de governos ditos sociais, a presidente Dilma descobriu estar tudo errado e ser preciso cortar despesas e benefícios, não é nos mais pobres e mais fracos o lugar para se aplicar a tesoura. Se estão faltando recursos, vamos tirar de quem tem demais e para quem não fará falta.
O economista francês Thomas Pikety num encontro em São Paulo, com empresários, se confessou surpreso com a falta de uma legislação brasileira taxando as grandes fortunas e as sucessões. Ora, bastaria a contribuição tributária dos afortunados para reequilibrar nossas contas.
Fora isso, e não se trata de nenhuma medida bolivariana mas bem americana, o governo deveria negociar – como fazem os Estados Unidos – acordos bilaterais com a Suíça e outros paraísos fiscais, impedindo a existência de contas secretas de brasileiros no Exterior. O grande denunciador das contas secretas suíças, o suíço Jean Ziegler, afirmava, nos anos noventa do século passado, haver mais de 130 bilhões de dólares de brasileiros escondidos na Suíça.
Foi feito algum esforço pelo governo e parlamentares da esquerda brasileira para se recuperar esse pacote? Alguém propôs um projeto de lei ou Medida Provisória taxando as fortunas e as sucessões?
Não, mas se limitou o direito das esposas à aposentadoria no caso de morte do marido; se limitou o seguro desemprego para se evitar abusos. Economizam-se algumas misérias com essas medidas antissociais e onde estão os líderes do PT e os líderes sindicais? Onde estão os blogueiros, que não suportam críticas ao governo, pelo jeito facilmente domesticáveis, engolindo a neo-liberalização do governo, sem sair em defesa do povo?
Porque com a inflação e com os cortes nas esmolas distribuídas, logo estaremos em plena crise social e será dificil se convencer os eleitores, enganados nas últimas eleições, a votarem em candidatos da chamada esquerda.
Rui Martins, jornalista e escritor, editor do Direto da Redação