Uma
rotina de trabalho, muitas vezes, cercada pelo pensamento: matar ou morrer?
Quando um policial militar se forma, ele jura servir à pátria "mesmo com o
risco da própria vida". A escalada da violência no Ceará foi acompanhada
diretamente pelo aumento de militares, da Corporação do Estado que precisaram
se ausentar das suas funções devido a licenças médicas para tratamentos
psiquiátricos.
De acordo com dados da Associação de Praças da Polícia Militar e
do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (Aspramece), de janeiro de 2015 até
agosto de 2019, pelo menos, 5.188 policiais militares foram afastados devido a
transtornos mentais - uma média superior a mil casos anualmente. Neste ano, já
são 840 licenças para tratamentos psiquiátricos, número que supera os 761
afastamentos de 2018.
Para a
Aspramece, os números elevados são resultado de décadas de omissão do Poder
Público. Quem vivenciou o desequilíbrio emocional enquanto PM também garante
que se sentiu desimportante perante seus superiores na Corporação. "Eu
entregava atestado assinado pelo psiquiatra e era humilhado. Diziam que eu
estava enrolando para faltar o serviço".
A fala é
de um soldado, atualmente reformado. Sob a condição de não ser identificado, o
homem que esteve na ativa durante uma década, conta que sofreu perseguição e
que os oficiais não deram a devida atenção ao seu problema de saúde.
"Minha vida era normal e depois fiquei estressado com o meu serviço. Sofri
muita humilhação. Não era respeitado. Precisei de ajuda porque já vinha
perdendo o controle e discutindo com os meus chefes", disse o militar.
O PM
precisou de diversas licenças até conseguir ser reformado. Ele recorda que
chegou a ser atendido uma vez por um psiquiatra no antigo Hospital da Polícia.
Depois disso, nunca mais encontrou vaga para o atendimento. Com o passar do
tempo e ainda em serviço, começou a ser acompanhado por profissionais do Centro
de Atenção Psicossocial (Caps). Então, veio o diagnóstico médico:
esquizofrenia."Nos consultórios, eu comecei a ouvir que eu tinha mania de
perseguição. Sempre achava que tinha alguém atrás de mim querendo me matar. Com
um tempo eu admiti a verdade. Eu poderia ter crescido na Corporação. Quem sabe
hoje seria um tenente? Nunca usei drogas, não bebia... Eu não tinha mais
vontade de fazer nada. É um serviço muito estressante, muito desgastante e com
muita preocupação, inclusive com a nossa própria vida, sem saber quando o
bandido que a gente prendeu ia ser solto e se ia atrás da gente. É claro que
tudo isso mexe muito com a cabeça", contou o policial militar.
Clamor
A
Aspramece afirma que a solicitação de apoio psicológico e psiquiátrico para os
policiais militares é um pedido antigo e que, devido ao descaso, tem
consequências que vão além do afastamento, indo do déficit de militares nas
ruas até a medida mais drástica: o suicídio. O sargento Pedro Queiroz, diretor
da Associação, pontua que em 2019 sete policiais militares do Ceará se
suicidaram.
O 13° Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, referente aos dados do ano passado, aponta que
em 2018 foram dois policiais militares que se suicidaram no Ceará. Segundo ele,
a omissão faz com que o problema se ramifique e chegue também a um outro
dilema, a drogadição na Polícia.
"Antes,
era o álcool que liderava a patologia de dependência química. Agora, eles
começam nas drogas lícitas e se aprofundam. Como não temos um equipamento para
tratamento contínuo destes PMs, eles acabam no atendimento ambulatorial, sem recuperar
o psíquico.
Nós temos
notícias também que os medicamentos tarja preta são muito utilizados pelos
nossos colegas. Não conseguimos relatar um percentual sobre a drogadição, mas
sabemos que os números aumentam. O policial vai se vendo em uma situação de
abandono de todos os lados e então acontecem os suicídios", afirmou
Queiroz.
A
Associação pontua que os números não mentem e demonstram a necessidade de
continuar a luta em prol de ajuda à saúde mental dos servidores: "quem não
adoece sendo submetido a situações traumáticas internas e externas durante sua
atividade profissional?", indaga.
Segundo a
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), a Assessoria de
Assistência Biopsicossocial (Abips) realiza o trabalho de acolhimento dos
profissionais de segurança que necessitam de atendimentos especializados de
saúde, com apoio de psicólogos e assistentes sociais.
Por nota,
a Pasta informou que ainda para o segundo semestre deste ano, o atendimento
especializado deve aumentar, quando a Abips passará a contar com psiquiatras e
fisioterapeutas. A Secretaria explica que a Abips está em fase de ampliação
para o Interior do Estado e Núcleos Biopsicossociais devem ser instalados em
cada Área Integrada de Segurança (AIS).
Ainda de
acordo com a SSPDS, a Abips realiza atendimentos de saúde aos policiais civis e
militares, peritos forenses e bombeiros militares, em seus locais de trabalho.
A Secretaria elencou que no primeiro semestre de 2019 foram registrados 861
atendimentos psicológicos e 130 atendimentos sociais para este público.
Sobre as
ações voltadas a combater especificamente a drogadição na Polícia, a Pasta
pontuou que "está em desenvolvimento, agora, um projeto capitaneado pela
Assessoria, em parceria com as vinculadas, com a criação de grupos de sensibilização
para detectar o uso de substâncias psicoativas entre os efetivos das
corporações.
A iniciativa
visa avaliar a saúde física e psíquica dos agentes, na busca de cuidar dos que
estejam adoecidos e prevenir o surgimento de novos adoecimentos", concluiu
a SSPDS.
DN
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