Deltan
Dallagnol, procurador chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato. Ele é
procurador da República desde 2002, formado em Direito pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e com mestrado na escola de
Direito de Harvard Law School. Ele falou com exclusividade ao Yahoo
nesta terça-feira.
Qual a importância da operação batizada de acarajé, no sentido de ela trazer elementos desconhecidos antes?
Deltan:
Essa operação de ontem, essa chamada Acarajé entra com um contexto de
uma expansão da Lava Jato. A Lava Jato é uma investigação que continua a
se expandir. É surpreendente o volume de atividades criminosas que já
foram detectadas e que continuam a ser detectadas.
Ontem
especificamente a operação teve por alvo três sujeitos: em primeiro
lugar a empresa Odebrecht, em segundo o Zwi Skornicki e em terceiro
lugar o João Santana. Como essas pessoas se ligam? O fator de ligação é
que tanto a Odebrecht como o Zwi Skornicki fizeram depósitos milionários
em favor de João Santana em contas ocultas no exterior, a suspeita é
que esses valores repassados são valores que são oriundos de propinas do
esquema Petrobras e foram repassados para o João Santana com objetivo,
muito provavelmente, de pagar serviços publicitários. Eu colocaria que
esse é mais um esquema detectado dentro de um esquema muito maior que a
Lava Jato.
Então
o senhor diria que isso pode chegar a doações de campanha eleitoral e
que pode acrescentar na ação que corre no TSE contra a Dilma e Temer?
Deltan:
Eu não conheço especificamente essa ação do TSE. Agora quando nós
olhamos para esse caso como um todo e vamos saindo do micro, da
perspectiva contra cada esqueminha para o macro, o que nós vemos é que
existe um grande sistema de busca de apoio político no Congresso, pelo
Planalto e que dentro desse esquema o Planalto permitia que partidos
fragmentados, porque nós não temos clausula de barreira na política, que
veda a criação de novos partidos, a expansão de partidos fragmentados,
então o Planalto buscava a aprovação, o apoio desses partidos permitindo
que esses partidos fizessem indicações políticas para cargos chaves,
como os cargos da Petrobrás.
Agora,
o grande problema, esse partido, em troca dava seu apoio para passar
projetos no Congresso - na política isso se chama de método de alcançar
governabilidade - e se coloca que o nosso sistema de governo acabou
adotando um presidencialismo de equalização porque o partido de governo
se liga com outros partidos que acabam formando uma base aliada para
conseguir que suas medidas e suas propostas passem no Congresso.
Agora,
qual é o problema? O que apareceu a partir daí? Essas indicações feitas
para que pessoas ocupassem os principais cargos, eram indicações feitas
com dois objetivos feitas pelos partidos: arrecadações de dinheiro com o
objetivo de enriquecimento das pessoas envolvidas e de arrecadar fundos
para campanhas eleitorais, fundos de caixa 2.
Não existe uma razão
aparente para que esse esquema envolvesse apenas a Petrobrás. Pelo
contrário: nós identificamos indicativos fortes de que nesse sistema
existe também em relação a outros órgãos públicos.
De modo geral, o que a Lava Jato detectou é uma espécie de continuidade do Mensalão. Um
esquema de compra de apoio partidário no congresso, através de facultar
aos congressistas que indicassem pessoas para ocupar cargos públicos e
isso era feito com objetivo de arrecadar propina que servia dois
propósitos: enriquecimento ilícito e financiamento de campanha
eleitoral.
Temos
novos desdobramentos dessa corrupção a cada dia no exterior, uma
delação premiada feita no Brasil não virará, até onde eu consigo
entender, uma confissão em crime internacional. Os senhores estão
buscando, por acaso, delações premiadas que possam ser feitas na arena
internacional e que resvalem em casos internacionais como do João
Santana ou a própria Pasadena, como os senhores se articulam na arena
internacional com a delação premiada?
Deltan:
Eu diria que colaboração premiada e cooperação internacional são as
duas bases sobre as quais o caso Lava Jato foi construído e paralela, é
claro, com as buscas e apreensões executadas pela PF. A cooperação
internacional é um modo de nós nos aproximarmos dos outros povos para
combater crimes graves que lesam a sociedade de cada país, lesam a todos
nós como povo mundial. Nós fizemos esse caso já, 92 pedidos de
cooperação internacional. É um número muito grande quando nós comparamos
com outros casos. Talvez só tenha superado lá atrás com o caso do
Banestado e nós temos também um número muito significativo de
colaboração premiada, que eu costumo chamar de motor que móvel a Lava
Jato, nós temos 43 acordos de colaboração premiada. Pois bem, um acordo
de colaboração premiada pode indicar fatos que aconteceram no exterior.
Esse primeiro módulo como colaboração e cooperação internacional se
relacionam.
Se
usou muito no Mensalão a questão do domínio do fato. O fato de um
ministério público federal na figura dos senhores estar achado alguns
elos que envolvem propriedades atribuídas ao ex-presidente Lula, isso
não suscita os senhores a entrarem com a questão já adotada no Mensalão
como domínio do fato?
Deltan:
Nós não comentamos investigações em andamento, como uma possível
investigação sobre a figura do ex-presidente. Não estamos usando a
questão do domínio do fato para não correr riscos coma solidez dos
nossos argumentos – estamos tomando a via mais segura. Então mesmo
quando nós formulamos uma acusação criminal contra Marcelo Odebrecht,
algumas pessoas comentaram que era de certo modo baseado em teoria do
domínio do fato, na verdade não era. Nós já tínhamos provas de gestão e
de gerência dele em atividades criminosas para o Judiciário decidir.
Um
fato curioso, é que a Odebrecht tem suposto no Brasil e fora do Brasil a
vindo de contas que foram identificadas e que foram utilizadas pela
empresa para pagar propinas para os funcionários da Petrobrás no
exterior. Nós temos provas diretas, contas da Odebrecht que pagaram
diretamente contas de funcionários públicos da Petrobrás no exterior.
Uma dessas contas foi utilizada para fazer um pagamento para um
funcionário do secretário de transporte da Argentina. Quando a Odebrecht
tinha um contrato no interesse dessa secretaria de transporte da
Argentina? Tudo indica que essas contas tenham sido utilizadas para
pagar diversos outros funcionários públicos do exterior.
Uma
questão que chama atenção: algumas investigações que foram feitas
contra um dos filhos do presidente Lula. Ele teve um aporte de quase 5
milhões na sua empresa Gamecorp, e a gente sabe que um pouco antes o
Sérgio Andrade do Grupo Andrade Gutierrez, ganha do governo uma medida
provisória que de última hora permite que a telemarketing do Sérgio
Andrade vire Oi. Os senhores investigam algo no sentido dessa
provisória?
Deltan: Nós não comentamos investigações em andamento.
A
gente tem também algumas irregularidades na ampliação no porto de
Santos, feito pela Odebrecht, e nós temos investigações eletro nuclear
que resvalam pelo submarino nuclear brasileiro. Isso passa pela
lava-jato?
Deltan:
Novamente essa é uma questão que nós não estamos tratando com a
imprensa, porque o ministério público como regra fala sobre provas e
evidências públicas. Há uma grande curiosidade em relação às novas fases
e desdobramentos, mas acho que agora vale refletir: nós já não sabemos o
suficiente? Nós já não temos informação suficiente do modo como esses
crimes todos de corrupção acontecia? Sobre as condições que incentivam a
corrupção no Brasil para nós demandarmos mudança? O ministério público
ofereceu dez medidas contra a corrupção para que nós mudemos essas
condições que hoje favorece a corrupção do Brasil. É isso que precisamos
implementar para um recomeço.
Uma pergunta técnica. Se um executivo se adiantar e procurar a Justiça antes de ser investigado, ele pode se beneficiar?
Deltan:
É possível que uma pessoa se antecipe a uma investigação e compareça ao
ministério público para oferecer as informações que tem, narrar sua
participação em crime, entregas crimes, devolver dinheiro que desviou
dos cofres públicos, isso acaba sendo benéfico para todo mundo. Se um
executivo de uma das empresas envolvidas nos procura e entrega fatos e
provas relevantes, consistentes, sobre fatos que a gente desconhecia,
isso repercutirá em favor dele, é estratégia da colaboração premiada,
que não é só mais uma estratégia de investigação mas também uma
estratégia de defesa.
No
manifesto de mais de 100 advogados contra a Lava Jato, pelo menos 11
tinham clientes na mira da operação. Como o senhor vê a tentativa de
institucionalizar a defesa dos investigados como se fosse um atentado à
democracia ou os direitos de garantias de direitos individuais?
Deltan:
Esses ataques não tem o menor fundamento. O que nós vemos nesse
manifesto, é que a maior parte das pessoas que estão ali são advogados
dos réus da lava-jato e em geral, réus que não fizeram acordo de
colaboração. São pessoas que estão em uma postura oposta e que tentam
trazer, levantar possíveis abusos ou num movimento que pode se
caracterizar como uma teoria da conspiração. Menos de 10% dos réus do
caso estão presos, e desses réus, todos estão sendo processados
criminalmente, apenas 3% estão presos sem condenação, e mais, eu posso
dizer que mais de 70% dos acordos de colaboração foram feitos com
pessoas que não estão presas.
Perto
do que o senhor já viu, a lava-jato completando dois anos, você diria
que ela chegou a quantos % de onde ela pretende chegar?
Deltan:
Quando nós olhamos os números, nós vemos que nós acusamos
aproximadamente um terço das empresas, aproximadamente um terço dos
operadores financeiros e talvez menos de um terço dos agentes públicos
envolvidos. Temos muito para avançar para outros órgãos públicos. Agora,
o que me preocupa é o fato de que já se passaram dois anos, depois de
que esses fatos vieram à tona, depois do começo da operação e nós ainda
não tivemos as mudanças que com o país nós precisamos para inibir a
corrupção, atacando em três focos: prevenção – impedir que a corrupção
ocorra, garantir uma punição severa o suficiente e acabar com a
impunidade. Não temos instrumentos bons nesse sentido. Para isso nós
precisamos da participação da imprensa e da sociedade. Mais de 1 milhão e
meio de pessoas assinaram essas medidas em apoio, mas é preciso mais.
Há um site para conscientizar a população e pressionar por essas 10
medidas sugeridas pelo Ministério Público para acabar com a corrupção.
Invoco que o cidadão visite o site, imprima a ficha de apoio, assine,
colha a assinatura de seus colegas de trabalho, amigos, familiares,
vizinhos e entregue em uma sede do ministério público. Essa é uma medida
que qualquer um pode tomar.