A presidente afastada Dilma Rousseff enviou carta à comissão do
impeachment no Senado em que se diz vítima de uma "farsa jurídica e
política". A carta de Dilma foi lida pelo advogado dela, o ex-ministro
José Eduardo Cardozo, na sessão do colegiado desta quarta-feira (6).Cardozo iniciou às 12h09 a leitura da defesa da presidente afastada.
Como a petista decidiu não comparecer à sessão para responder a
questionamentos, coube ao ex-ministro ler o posicionamente da defesa,
que tem 30 páginas.
"O destino sempre me reservou grandes desafios. Alguns pareciam
intransponíveis, mas eu consegui vencê-los. Já sofri a dor indizível da
tortura, já passei pela dor aflitiva da doença, e hoje sofro a dor
igualmente inominável da injustiça. O que mais me dói neste momento é a
injustiça. O que mais dói é perceber que estou sendo vítima de uma farsa
jurídica e política", escreveu Dilma.
Na carta, a presidente afastada disse que não “houve ilegalidade” na
edição de decretos de crédito suplementar sem a devida autorização do
Congresso Nacional.A acusação afirma que Dilma desrespeitou a Lei Orçamentária Anual ao
autorizar, em julho e agosto, dotações orçamentárias baseadas em uma
revisão da meta fiscal que ainda não havia sido aprovada pelo
Legislativo. O PLN 5/2015 só foi aprovado em dezembro daquele ano.
“Não há, na edição desses decretos, a menor possibilidade de que se
possa configurar juridicamente a ocorrência de qualquer crime de
responsabilidade [...] Não houve desrespeito às metas financeiras
estabelecidas. Não houve, no caso, qualquer comportamento ilícito e
grave capaz de configurar um verdadeiro ‘atentado’ à nossa
Constituição”, afirmou a petista no documento lido por Cardozo.
Dilma também disse, no texto, que não houve má-fé de sua parte na
edição dos decretos, tese que vem sido defendida por aliados da petista
na comissão especial do impeachment e pelo advogado
José Eduardo Cardozo.
“Os decretos foram editados com base na interpretação técnica e
jurídica dominante, acolhida expressamente e manifestada por todos os
órgãos responsáveis pelo exame da matéria. Onde está o dolo grave?”,
questiona a petista na carta. Dilma finaliza o documento dizendo que a consumação do impeachment será
“uma grande injustiça” e afirma que o Brasil “não merece viver uma nova
ruptura democrática”.“Os que forem verdadeiramente isentos e justos jamais vincularão suas
biografias a esta farsa”, disse Dilma em apelo aos senadores que vão
julgar o seu afastamento.
'Pedaladas'
Sobre as chamadas “pedaladas fiscais” – atraso de pagamentos da União
para bancos públicos nos subsídios concedidos a produtores rurais por
meio do Plano Safra – Dilma disse que não cabia a ela gerenciar o Plano
Safra, mas sim ao ministério da Fazenda.
“Não foi submetido a meu âmbito decisório, e nem deveria ser, qualquer
questão relativa à regulamentação ou à gestão concreta do Plano Safra.
Não foi a Presidência quem definiu prazos, momentos ou montantes de
pagamento de quaisquer valores a serem repassados à instituição
financeira responsável pela sua execução”, expôs a petista no documento.
A afirmação de Dilma vai ao encontro da conclusão da perícia feita por
servidores do Senado, que não viu ato direto da petista nas “pedaladas”.
No entanto, os peritos consideraram que as pedaladas existiram. Para os
técnicos, as “pedaladas” configuram tomada de empréstimo da União com
bancos que controla, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade
Fiscal.
Os autores da denúncia, os juristas Miguel Reale Júnior, Janaína
Paschoal e Hélio Bicudo, dizem que se não houve assinatura de Dilma nos
documentos relativos ao Plano Safra foi justamente para “acobertar”
fraudes de responsabilidade da petista. Para a acusação, houve crime de
Dilma nas “pedaladas” fiscais.
Desvio de poder
No documento, Dilma Rousseff repete a tese de seus aliados de que o
processo de impeachment foi aberto, pelo presidente afastado da Câmara,
Eduardo Cunha (
PMDB-RJ), em um ato de “desvio de poder”.
Para a petista, “várias forças políticas” viam risco na sua postura de
não “intervir” nas investigações da operação Lava Jato e por isso
apoiaram o afastamento dela da presidência da República.Dilma chega a citar, no documento, uma fala do senador Romero Jucá
(PMDB-RR) revelada pelas gravações do ex-presidente da Transpetro Sérgio
Machado, delator da Lava Jato.
“Como disse um dos líderes mais importantes do governo interino, o
senador Romero Jucá, era preciso me destituir para que fosse possível um
acordo que esvaziasse as operações policiais contra a corrupção e fosse
estancada a ‘sangria’ resultante dessas investigações”, afirma a
petista.Jucá, quando os áudios se tornaram de conhecimento público, negou que queira interferir na Lava Jato.
Sem perguntas
O presidente da comissão, senador
Raimundo Lira (PMDB-PB),
informou que, a princípio, não haverá espaço para perguntas dos
senadores a Cardozo. Ao chegar ao plenário da comissão especial, Cardozo
recebeu apoio de dez manifestantes contrários ao impeachment. Eles
desejaram “boa sorte” para o ex-ministro e gritaram “fora Temer, volta
Dilma”.
Após incertezas em torno do comparecimento de Dilma na sessão, a
própria presidente afastada informou nesta terça-feira (5), em sua conta
pessoal no Twitter, que não iria depor à comissão especial do Senado.
Na rede social, ela comunicou que Cardozo leria a mensagem e que ela
estava avaliando comparecer, em outra ocasião, no plenário da Casa.
"A minha defesa amanhã [quarta] será feita por escrito e lida pelo meu
advogado [Cardozo]. Estamos avaliando a minha ida ao plenário do Senado,
em outro momento", publicou a petista na rede social.
Antes da leitura da mensagem da presidente afastada, o presidente da
comissão, Raimundo Lira informou ao colegiado que, com a ausência de
Dilma, não seriam permitidos questionamentos a Cardozo.
“A presidente afastada mandou um texto por escrito. Tendo em vista que
não haverá interrogatório, não haverá oportunidade para formulação de
perguntas, nem para lista de oradores. Processualmente só ela poderia
responder às indagações”, anunciou Lira.
O líder do
PSDB,
Cássio Cunha Lima (PB), contestou a possibilidade de o advogado da petista poder ler uma manifestação da petista.
“Nós estamos inovando aqui nesta comissão. Em nenhum lugar do mundo,
nos julgamentos, existe isso de ler uma manifestação da denunciada em um
interrogatório”, reclamou o tucano.A senadora Vanessa Grazziotin (
PC do B-AM) defendeu a leitura do documento e disse que faz parte do “amplo direito de defesa da petista”.
Cronograma
A comissão especial do impeachment está na fase intermediária do processo de afastamento, chamada de "pronúncia".O colegiado já ouviu depoimentos de testemunhas, solicitou documentos
para produção de provas, realizou perícia e ouve nesta quarta a
manifestação da presidente afastada.Depois disso, os integrantes do colegiado devem analisar o relatório
que será elaborado pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG).
Caberá ao parlamentar tucano opinar se procede ou não a denúncia de que
Dilma cometeu crime de responsabilidade. Caso o relatório de Anastasia
diga que a denúncia é procedente e o plenário principal do Senado aprove
o parecer, por maioria simples, a presidente afastada será levada a
julgamento final.
De acordo com cronograma aprovado pela comissão especial, a discussão e
a votação do parecer de Anastasia no plenário do Senado deve acontecer
no dia 9 de agosto.Na semana passada, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL),
disse que, se durante o processo de impeachment a Casa decidir pelo
julgamento da presidente afastada, ele acontecerá entre os dias 25 e 27
de agosto.
G1