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Fazer previsões
é o caminho mais curto para afundar uma reputação. Mas, desde julho, o
economista Felipe Miranda aposta todas as suas fichas em um cenário
sombrio para os próximos meses. Lançado em julho, seu polêmico relatório
“O Fim do Brasil” recorre a uma variedade de dados de emprego, renda e
nível de atividade econômica para cravar, sem meias palavras: mantidas
as atuais condições, o Brasil mergulhará numa crise que só tem paralelo
nos anos anteriores a 1994, quando o Plano Real foi lançado. “Falo de
inflação alta, perda da metade do poder de compra do salário ao longo do
mês, congelamento de preços, problemas de desabastecimento, falta de
produtos nas prateleiras”, afirmou o sócio da Empiricus, a casa de
análises independente, no documento.
A tese
despertou a fúria da coordenação da campanha da presidenta Dilma
Rousseff à reeleição pelo PT. Sua equipe acusou Miranda de fazer
propaganda para o candidato tucano Aécio Neves. O partido protocolou uma
representação contra a Empiricus no Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
afirmando que as manifestações da instituição interferem na decisão de
voto. A queixa foi rejeitada pela corte em meados de agosto.
Considerado, por alguns, uma espécie de Nouriel Roubini (o economista
americano que previu a crise de 2008) brasileiro, Miranda detalha seus
argumentos nesta entrevista exclusiva à DINHEIRO:
O “fim do Brasil” aconteceu, quando o tripé macroeconômico foi abandonado?
Em relação à
política econômica, sim. Mas estamos mais preocupados com o impacto
disso. Ainda há tempo de, pelo menos, amenizar esses efeitos. A gente já
sofre com algumas questões. O crescimento econômico do governo Dilma,
se você considerar Collor e Itamar [os ex-presidentes Fernando Collor de
Mello, 1990-1992, e Itamar Franco, 1992-1995] como um ciclo só, é o
menor desde 1930. A inflação persiste em 6,5%. A política industrial é
péssima. A confiança da indústria é a menor desde 2009. Ainda não deu
tempo de atingir o emprego. Mas, se você pegar os últimos dados do
Caged, a taxa de criação de vagas de junho é a pior desde 1998. Se não
pararmos agora com essa política, a coisa vai piorar, porque a geração
de emprego passará para o negativo e entraremos numa espiral muito mais
perigosa. Começaremos a ter, de fato, retração na economia. Então, o
empresário investirá ainda menos, cortará mais empregos e vai virar uma
bola de neve.
Quem quer que vença a eleição presidencial vai enfrentar esse mesmo cenário?
Sim. A grande
questão é como os candidatos reagem a isso. O que se percebe é um
alinhamento muito forte, em termos de gestão econômica, entre o PSDB e o
PSB. É o discurso do fim da atual política econômica e a retomada do
tripé. No governo Dilma, há uma grande dúvida em relação a um eventual
segundo mandato. Ela reconhecerá que errou e voltará atrás? Ou vai
dobrar a aposta? O que me parece é que o governo dobrará a aposta,
porque, do contrário, será um estelionato eleitoral. Se o governo não
dobrar a aposta, é porque mentiram sistematicamente, dizendo que estava
tudo bem e que não tinham culpa dos problemas. Precisamos ver o que é
pior: termos governantes mentirosos que voltarão à gestão mais ortodoxa;
ou se eles vão insistir na nova matriz econômica.
Com base no seu relatório, é possível dizer que os remédios para corrigir isso podem piorar a situação, antes de melhorar?
Talvez. Se você
não fizer o ajuste no curto prazo, você vai ter um custo muito maior lá
na frente, porque a inflação vai explodir. Eu acredito que a Dilma vai
dobrar a aposta. Aí, será o fim do Brasil, em termos econômicos.
Enfrentaremos uma crise no primeiro semestre do ano que vem, sem sombra
de dúvida. Há três coisas para serem enfrentadas. A primeira é o
represamento de preços. Teremos, de largada, dois pontos a mais na
inflação. A segunda é o processo de alta da taxa de juros nos Estados
Unidos. O déficit em transações correntes é maior que o investimento
estrangeiro direto. A gente depende de movimentações de curto prazo para
fechar as contas, mas, quando o Fed [o Banco Central dos EUA] subir a
taxa de juros, vai todo mundo embora. A terceira é que o governo,
claramente, reforçou o discurso do “nós contra eles”, contra o mercado
de capitais. E como você resgata a confiança do mercado em caso de
vitória, se você está dizendo claramente que somos “nós contra eles?”
Isso não funciona.
Mas se insistir nesse caminho, o que acontece?
Se a gente
fingir que está tudo bem e avançar com essa política econômica, os
problemas vão se intensificar e com um catalisador externo, que é o Fed.
Precisamos de um ajuste de curto prazo que vai frear um pouco a
economia, porque hoje é o governo que empurra o consumo agregado. Ao
tirar esse componente da conta, devido à gestão fiscal, sofreremos no
curto prazo. Mas, por outro lado, quando você faz isso, o juro de longo
prazo cai dramaticamente. Você reafirma o tripé de forma cristalina,
assegura autonomia de fato ao Banco Central, e começa a mostrar um
ajuste fiscal crível, mesmo que demore. O mercado deseja uma rota crível
e transparente. É preciso eliminar também a contabilidade criativa.
Assim, você resgata a confiança do empresariado, que volta a investir.
Então, mesmo que você tenha um efeito ruim no curto prazo, o crescimento
volta.
Quer dizer: ou tomamos um remédio amargo ou...
... ou
sofreremos com uma grande doença. Exatamente. E é um remédio que nem é
tão amargo assim. Não acho que vai ser: “nossa, meu Deus, o PIB vai cair
2%”. Vai ser um ou dois trimestres, talvez, de retração do PIB, mas
modesta, e depois volta. Acho que a gente termina 2015 já com forte
expansão, se houver uma mensagem clara. O terceiro trimestre de 2015
pode vir com um sinal de retomada, e o quarto trimestre já crescendo,
anualizado, entre 3,5% e 4%, o que é muito bom.
Um membro do governo chegou a dizer que inflação é melhor que arrocho salarial...
É a mesma coisa
conter o salário nominal, ou deixar a inflação galopar. Essa é uma
pessoa que não entendeu nada. Isso é livro de introdução à economia. Eu
acho que o principal problema desse governo é a incapacidade de fazer
uma autocrítica, porque eles estão ensimesmados. O governo se fechou,
sem aceitar crítica de ninguém.
E o modo como reagem às críticas...
Sim, aí, cai no
problema da censura. Eu não acho que eles sejam desonestos. Eles
realmente acreditam nisso. Quando critiquei a gestão econômica, em
nenhum momento, eles me chamaram de burro, de despreparado. A acusação
feita no TSE é que a gente estaria ligado ao Aécio. Em nenhum momento,
eles consideraram a hipótese de que eu penso isso. Uma coisa que eu
posso dizer é que não estou ligado ao Aécio. É uma crítica muita rasa.
Eles não entenderam até hoje, ou fingem não entender, que o que o
Santander fez é uma coisa trivial. Eles acham que há terrorismo
eleitoral mesmo. Ou eles mentem, ou são completamente desconectados da
realidade, em um nível assustador, porque não estamos discutindo nada
sofisticado. É uma discussão que até minha mãe entende: a bolsa sobe,
quando a Dilma cai.
Quando essas
medidas foram tomadas em 2008 e 2009, por conta da crise, houve certo
elogio da mídia e do mercado, por ser uma política anticíclica. Você
acha que, naquele momento, era correto e o governo passou do ponto? Ou
era ruim desde o começo?
Esse é um ponto
muito interessante. Era um clamor da sociedade e de muitos empresários
que o Estado impulsionasse o crescimento. O governo Dilma, nesse
sentido, não estava agindo da cabeça dele. Havia demanda por uma
política neokeynesiana que permitiu até que a gente transitasse pelo
período da crise de modo positivo. Então, vamos fazer essa ressalva:
reconheço que não foi uma postura única do governo. Ele ouviu setores da
sociedade que pediam essa maior intervenção. Agora, eu acho que essa
política foi completamente errada por duas razões. Primeiro, ela tinha
obviamente prazo de validade. Depois, é preciso lembrar que Keynes [John
Maynard Keynes, economista americano] fazia uma referência ao
investimento como tendo efeitos multiplicadores na economia. Em momentos
de desajustes da economia, em que a demanda agregada está desarrumada, o
governo entra gastando no investimento, e não no consumo. O que
aumentou no governo Dilma? O investimento público continua em 1,2% ou
1,3% do PIB, e o consumo do governo bateu 22% do PIB. É o nível mais
alto de toda a série histórica. O que aumentou não foi o investimento;
foi o consumo. Para mim, não tem keynesianismo nenhum aí. Por que o
investimento é importante? Porque o investimento entra como demanda
agregada, num primeiro momento, e depois aumenta a oferta agregada. Ele é
o mecanismo adequado para promover o crescimento coordenado entre a
oferta e a demanda. O consumo não. Você só aumenta a demanda agregada, e
a oferta agregada está parada. Quando você aumenta a demanda e a oferta
está parada, o que acontece? Tem dois efeitos: ou você tem inflação, ou
você tem aumento de importação. Nós estamos tendo as duas coisas.
Mas a impressão é que o governo virou refém dessa política...
Sim, porque
eles entraram numa espiral intervencionista. Você precisa acreditar no
mecanismo de preços. Eles não acreditam nisso. Eles acham que o mercado
funciona mal e ficam interferindo diretamente em vários setores. Qual é o
problema disso? Quando você interfere em um setor para corrigir uma
distorção, você cria outras. Além disso, eles não entendem que, ao
proteger um setor, eles desprotegem outros. Não adianta achar que você
interfere em um sistema, e o resto dele continua funcionando igual. Não
acho que é uma política keynesiana. Não tem uma desculpa teórica. Tem
uma questão ideológica de achar que o Estado é melhor que o mercado.
Fazer
previsão é o jeito mais fácil de arriscar a reputação, e você está
fazendo uma previsão muito categórica. Quão certo você está de que isso
vai acontecer?
Entre os
economistas e os analistas, a Empiricus é a que menos acredita em fazer
previsões. Eu acho isso um grande charlatanismo. Nossos relatórios não
têm preço alvo, por exemplo. Mas, se você vê uma nuvem negra se
aproximando, você diz: “vai chover”. Eu estou vendo uma nuvem negra se
aproximando. Estou dizendo: vai chover. Isso não é uma previsão. Isso é
uma extrapolação do que já está aí. A não ser que a gente interrompa a
atual política econômica, haverá uma crise financeira em 2015,
certamente. Talvez haja, entre os economistas, uma crença da qual eu não
compartilho de que, no segundo mandato, a Dilma abrandaria essa
política. Mas por que eles vão abrandar, se, para eles, está dando
certo? Só não está muito pessimista com a economia quem acha que eles
vão abrandar. Então, a minha única divergência é que eu não acho que
eles vão abrandar. Eu acho que eles vão recrudescer. Eles não entenderam
que não se pode mexer no tripé macroeconômico. Inflação é ruim para
pobre. Não é ruim para rico. O rico tem um estoque de riqueza no banco
rendendo juros. O gasto mensal dele, que é o afetado pela inflação é
menor que a riqueza dele. Quando você combate essa política econômica,
você está lutando em favor do pobre, e não do rico.
Antes da
crise de 2008, nos EUA, as pessoas resistiam a aceitar que uma crise
poderia vir. Existe um bloqueio das pessoas em aceitar a realidade?
Um pouco.
Sempre existe uma tendência das pessoas em acreditar que vai ficar tudo
bem. Mas aqui é um pouco diferente do que aconteceu nos EUA. Não é uma
bolha. É um processo de esfoliação, de corrosão. Vai indo aos poucos. O
desemprego não vai saltar de 5% para 10%. Vai passar de 5% para 6%, para
7%, para 8%... lá fora, a bolha inchou e estourou. No empresariado,
você já nota um desconforto. O Steinbruch [Benjamin Steinbruch,
presidente da Fiesp e controlador da CSN] falou que só louco investe no
Brasil. Esse cara é disposto a risco. Quando um cara tido como agressivo
não mostra disposição a investir, imagina o que está acontecendo com os
moderados. Então, é uma questão de quão ruins as coisas podem ficar. E
esse quão ruim é que as pessoas estão demorando para entender. Ainda
estamos com a variável emprego bem, mas a crise vai bater aí também.
Você é uma espécie de Nouriel Roubini brasileiro?
Dizem isso, mas
ele é muito melhor que eu. Guardadas as devidas e enormes proporções,
talvez. Não temos muito em comum. Acho que nunca li uma análise otimista
do Roubini. Ele é sempre muito pessimista. Eu sou muito otimista com o
Brasil. Acho que é um país formidável. Eu estou pessimista agora, por
uma questão simples: eles estão desafiando o conhecimento em Economia
com uma gestão heterodoxa. O Mantega [Guido Mantega, ministro da
Fazenda] não é um grande economista. Não é uma questão ideológica ou de
simpatia, mas é uma questão técnica. O Nelson Barbosa
[ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda] é diferente. Ele é um
grande economista. Você pode não concordar com tudo, mas ele é
tecnicamente muito preparado. O Mantega não é. É um governo incompetente
mesmo. É despreparado tecnicamente. E é só por isso que estou
pessimista. É o que diz o Saramago: eu não sou pessimista, a realidade é
que está péssima.
Você acha que as casas de análises ligadas a bancos se retraíram, depois do Santander?
Elas estão
retraídas, mas isso não vem de hoje. Os bancos têm conflitos de
interesses há muito tempo. Antes, eram mais tácitos. Agora, está
explícito, porque o governo foi lá e pediu a cabeça da equipe do
Santander, que nem sequer escreveu o relatório. Quem escreveu foi o
Paulo Gala, que era o nosso sócio e com o qual perdemos contato. Se um
banco emprestava dinheiro para uma empresa, não podia falar mal dela. Se
vai fazer um IPO, aquela ação é a melhor do mundo, porque você precisa
ganhar a comissão do IPO. Esse é um problema clássico dessa indústria,
que só ficou mais claro, porque o governo entrou nessa história. Só
piorou, porque antes era um problema privado. Agora, passou a ser um
problema horizontal. Ninguém pode falar mal do governo em qualquer
instância.
O que o livro que vocês vão lançar em setembro traz de novo?
Primeiro, tem o
compromisso ético de trazer coisas novas e, depois, estar subsidiado
pela realidade. Um exemplo é que, quando nós soltamos essa tese, a
projeção do Focus para a economia brasileira estava em torno de 1,2%.
Agora, já está em 0,8%. Se vocês achavam que eu estava pessimista
demais, olhem como as previsões já pioraram. Talvez eu estivesse é muito
otimista. Depois, teve um fato trágico, que é o falecimento do Eduardo
Campos. De alguma forma, isso precisa ser incorporado à conta. Tratamos
da questão da censura, que veio depois. E traremos recomendações para se
proteger disso.
Márcio Juliboni
IstoÉ Dinheiro
Editado por Folha Política
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