Destes, segundo Sindicato dos Médicos, 18 estão entubados; 367 pacientes ocupam corredores de hospitais
As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) deveriam atender apenas pacientes de baixa complexidade, sem internação
Foto: Bruno Gomes
"Onde era para ter o básico, virou UTI (Unidade de Terapia Intensiva)", resume a presidente da entidade, Mayra Pinheiro. Segundo ela, o problema é um ciclo que afeta a rede de atenção primária, secundária e terciária, gerando uma reação em cadeia onde cada área prejudica a outra. "Isso começa com o Programa Saúde da Família (PSF), que hoje não funciona devidamente. A rede está desvirtuada", diz.
Para ela, a crise na Saúde não é exclusividade do Ceará e tem origem em dois fatores: recursos insuficientes e má gestão. "O que investimos na área é menor do que em outros países da América Latina. Somos a primeira economia e o quinto em investimento em saúde", relatou.
Estrutura
Mayra resumiu a via crucis dos cidadãos. "Não temos medicamentos na rede básica. Se o paciente não for tratado, ele vai para um hospital secundário, onde não é atendido por falta de pessoal. Com isso, ele vai piorar e precisar de um atendimento terciário onde não há vagas".
A situação também afeta os profissionais. "Há quem termine o plantão chorando, já vi auxiliares de enfermagem dizendo que não voltariam mais", denuncia. "No HGF (Hospital Geral de Fortaleza), faltava até tubo traqueal. A situação é desesperadora e trabalhamos num estresse físico e profissional", acrescentou a Mayra Pinheiro.
Segundo ela, que é pediatra, neste último fim de semana, a UTI do HGF estava com 29 bebês internados, quando a capacidade é para apenas 16. "Isso se repete em todas as maternidades terciárias do Estado".
O presidente da comissão de Saúde da Ordem dos Advogado do Brasil - Seção Ceará (OAB-CE), Ricardo Madeiro, vê a situação da mesma forma. "O que nós presenciamos hoje é o caos instalado na atenção primária, secundária e terciária", resume. O advogado enumera as deficiências nos postos de saúde e nas UPAs. "A partir do momento em que a atenção primária não funciona, não tem recursos, material e pessoal necessário, não tem abastecimento de medicamentos, vai ter um mal acompanhamento".
Isso acaba, segundo ele, afetando outras unidades de saúde. "A descompensação dessas doenças vai levar a problemas cardíacos, acidente vascular cerebral, infarto no miocárdio e abertura de feridas em diabéticos", exemplifica. "E essas pessoas vão ocupar os leitos dos hospitais secundários e terciários", acrescenta.
Madeiro ressalta ainda o que chama de "péssima situação nos Frotinhas e Gonzaguinhas, que têm os mesmos problemas dos postos e ainda faltam recursos humanos".
Rede
Apesar da reação em cadeia, para o advogado, toda a rede conta com os mesmos problemas: falta de pessoal, estrutura, leitos e desabastecimento. Assim como a presidente do Simec colocou, para ele, na origem do caos estaria a falta de gestão e de recursos. "Temos vários hospitais com construções paralisadas há dois ou três anos. Da forma como o Estado e o Município estão fazendo os processos seletivos, jamais vão conseguir resolver. Não existe um compromisso em resolver o problema", afirmou.
Por meio de nota, o sectrário adjunto da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), Henrique Javi, afirmou que o Governo do Estado tem plena percepção das suas responsabilidades, assim, definiu e implementou como prioridade investimentos que vão desde a atenção primária até a terciária. "Considerando a expansão da atenção especializada por todo o Ceará, estamos em conclusão das instalações do Hospital regional do Sertão Central, e outros dois regionais estão no plano de obras para a atual gestão", destaca a nota.
Falta material nos postos de saúde
As estruturas recém-reformadas mascaram a crítica realidade da atenção primária em Fortaleza. Do lado de fora, novas instalações e fachadas restauradas. Por dentro, faltam medicamentos, insumos, médicos e laboratórios para exames. Ainda pior que o mau funcionamento, é a ausência total de atendimento. É nesta situação que vivem centenas de usuários de três postos de saúde nos bairros Parangaba e Itaóca.
Há exatamente um mês, o Posto de Saúde Parangaba, um dos mais procurados na área, teve as portas cerradas por ordem da Vigilância Sanitária. Na unidade, que operava em espaço cedido pela Igreja da região, pacientes denunciaram problemas estruturais e de serviços, como a constante carência de profissionais e remédios.
Uma placa fixada nas grades da unidade alerta sobre a suspensão das atividades, ocorrida no dia 27 de março. No entanto, todos os dias, usuários e moradores são surpreendidos ao se depararem com o centro interditado. "Agora, a gente é obrigada a procurar outros postos mais distantes, que nem todo mundo tem condições de ir", diz a autônoma Cristina Ribeiro.
A situação na unidade da Parangaba se agravou depois que o local passou a receber a demanda de outros dois postos nas proximidades, fechados há mais de um ano para reformas que nem sequer foram iniciadas. Situados na Itaoca, os postos de saúde José Valdevino de Carvalho e Océlio Pinheiro paralisaram os atendimentos no fim de 2013. As obras deveriam ter sido finalizadas em janeiro de 2014, contudo, muito pouco ou nada foi feito. O retorno dos trabalhos não tem previsão para acontecer.
Abandono
"No Océlio, está tudo abandonado. As pessoas vêm atrás de atendimento e encontram tudo fechado. Aí procuram outros postos e não tem médico, não tem remédio", lamenta o comerciante Evandro Aires.
Usuários das três unidades fechadas são encaminhados para centros de atenção primária de bairros vizinhos. Contudo, os locais escolhidos para dar suporte sofrem com a sobrecarga. A cabeleireira Suely Lima, que costumava recorrer ao Posto Valdevino de Carvalho, agora precisa se deslocar até o Posto Luís Albuquerque Mendes, na Serrinha. A unidade, segundo ela, não possui estrutura. "Os médicos atendem em uma sala minúscula. Não tem onde vacinar, não tem material para fazer exame. Já deixei de ser atendida por falta de luva", conta Suely.
Já os antigos usuários do posto Océlio Ribeiro foram redirecionados para o Posto Dom Aloísio Lorscheider, no Itaperi, inaugurado em 2014. Apesar do prédio recém-construído, usuários reclamam da distância e da dificuldade nos atendimentos.
A reportagem procurou a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), mas foi informada que só seria possível fornecer um posicionamento hoje.
Germano Ribeiro/Vanessa Madeira
Repórteres
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